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O que é a psicanálise?

 

 

Dr. Bruno Tannus – Cremesc 19.704 RQE 11.197

Médico de Família  e

Psicanalista participante da Maiêutica Florianópolis, 

(Instituição Psicanalítica)

 

Não me parece uma tarefa simples responder à pergunta título deste artigo, mesmo para pessoas que já experimentaram o processo psicanalítico, se assim podemos chama-lo. Todavia, vejamos o que será possível dizer sobre a psicanálise sucintamente neste espaço, de modo a iluminar certos obscurecimentos para aqueles que a conhecem e torna-la menos infamiliar, usando um termo freudiano, aos que ainda sabem pouco a seu respeito, mas consideram nela mergulhar.

No início do século XX, mais exatamente em 1909, em conferência proferida nos Estados Unidos, o próprio Freud, em sua primeira e única viagem à América, denominou a psicanálise como um novo método de investigação e de cura. Embora o conceito de cura não seja exatamente psicanalítico, segundo as concepções contemporâneas da Psicanálise, Juan-David Nasio, em seu livro “Como trabalha um psicanalista?”, afirma que a análise produz efeitos de diminuição, e até de desaparecimento do sofrimento do paciente. São efeitos que se produzem em momentos vários do tratamento.

Na conferência freudiana mencionada anteriormente, Herr Professor explicava que a psicanálise investiga o inconsciente e assim produz seus efeitos de cura sobre a neurose e a histeria. Estas estruturas clínicas, embora numa roupagem um tanto diferente daquela época, por certo continuam atuais, atrelando-se a inúmeras formas de manifestação de sofrimento: estados depressivos, transtornos ansiosos, obsessões, compulsões, ataques de pânico, enxaquecas, dores miofasciais (inclusa a fibromialgia), insônias e distúrbios somáticos funcionais (por exemplo, algumas diarreias, “gastrites” e síndrome do intestino irritável), entre outros sintomas corporais sem doença orgânica, são apenas alguns exemplos da enorme lista de problemas que carregam marcas neuróticas ou histéricas.

Seguiram-se a Freud vários psicanalistas ao longo da história da Psicanálise. Na esteira do mestre, sempre balizados pelos conceitos fundamentais por ele elaborados, como o inconsciente e a pulsão, os discípulos expandiram os conhecimentos psicanalíticos e sua função terapêutica para além da neurose e da histeria. Jacques Lacan fez uma impressionante releitura da obra freudiana; dentro de suas incontáveis e originalíssimas contribuições à Psicanálise, encontram-se novas teorias sobre a psicose, as quais abriram caminhos para que a fala deixasse de ser silenciada na loucura, reconhecendo nela uma verdade do sujeito. Georg Groddeck, Pierre Marty e Joyce McDougall, entre outros autores, foram alguns dos responsáveis pelo desenvolvimento das ideias que hoje configuram a psicossomática psicanalítica; compreendendo corpo e psique como indissociáveis, a psicossomática torna a psicanálise recurso essencial também no tratamento das enfermidades que cursam com lesões de órgão (por exemplo, cânceres, doenças inflamatórias, desordens autoimunes, endocrinológicas e neurológicas, acidentes vasculares, infartos, etc.), respeitando as especificidades clínicas que essas situações exigem.

Dizer tudo isso não significa que a psicanálise seja uma panaceia e dê conta de resolver todos os sintomas e doenças das pessoas, mas sim que ela deve ser considerada peça chave no complexo processo denominado ação assistencial em saúde. Também não seria inteligente diminuir a importância do médico e de outros profissionais nesse processo, haja vista todos possuírem seus papeis. Porém, quando alguém se sente doente, geralmente o psicanalista não é procurado. Não raro as pessoas tomam com pouca seriedade a importância do aspecto analítico para o tratamento de seus problemas, negligenciando a importância de se trabalhar com o pensamento e a palavra, de decodificar a linguagem do inconsciente que se apresenta no sofrimento.

A propósito, a célebre frase de Lacan, de que o inconsciente é estruturado como linguagem, nos ajuda a explicar como a psicanálise exerce seus efeitos. Através da regra fundamental colocada por Freud, a saber, falar livremente sobre aquilo que vem à cabeça, sem censuras, a pessoa em análise deixa de ser paciente para tornar-se analisante (ou analisando). Na relação transferencial com o analista, ganha a possibilidade de pensar e verbalizar sobre coisas que antes só conseguia exprimir por sintomas, passagens ao ato, alucinações ou mesmo pelo real do corpo. A psicanálise é, portanto, uma das melhores oportunidades de descortinar o próprio inconsciente, responsabilizar-se pelo que se revela e fazer algo diferente com isso.

E é justamente numa instância psíquica inconsciente denominada o Isso (em alemão, “das Es”) onde se encontra o reservatório das pulsões, as quais não se cansam de se inscrever, pois nunca dormem e nunca se satisfazem, ao contrário dos instintos. As pulsões são de fato incontroláveis e podem ser de vida ou de morte. Elas estão, como diria Freud, na fronteira entre o somático e o psíquico, e diferenciam os humanos dos animais apenas instintivos. O trabalho ao qual a psicanálise se propõe também é retificar as pulsões, ou seja, auxiliar o sujeito e encontrar metas mais produtivas para elas, de modo a prevalecer o amor. 

Para concluir, voltemos à mesma obra de Nasio, onde ele salienta que todo analista deve esperar uma melhora nas posições subjetivas e objetivas do seu analisando. Podemos entender esse tipo de melhora, na posição do sujeito, no seu modo particular de lidar com os excessos pulsionais, como sendo a meta principal de uma psicanálise. Afinal, o sofrimento, com maior ou menor frequência, faz e continuará fazendo parte de nossas vidas; em verdade, sua existência é inerente ao fato de estarmos vivos. Então, no lugar de extingui-lo, o que significaria morrer, o propósito analítico é saber inventar algo novo a partir do sofrimento, é desmontar a velha janela pela qual se via o mundo, para que se possa vê-lo através de uma janela diferente, mais ética com o próprio desejo, tornando a vida mais leve, mesmo quando ela se apresentar com pesados fardos.

 

Referências:

Freud S. Cinco lições de psicanálise (1910). São Paulo: Cienbook; 2019. 95 p. Tradução de Saulo Krieger; prefácio de Guilherme Marconi Germer.

Nasio J. Como trabalha um psicanalista? Rio de Janeiro: Zahar; 1999.

Nasio J. Os olhos de Laura: somos todos loucos em algum recanto de nossas vidas. Rio de Janeiro: Zahar; 2011.

 


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